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Minha presidenta

Eu sou mulher. Feminista. Esquerdinha. Mandona. Atleticana. CDF. Tenho 26 anos, aos 62 é bem provável que esteja gordinha. E com isso, quero dizer que a presidenta eleita no domingo é a minha cara.

“Mas ela não é feminista!”, dirão alguns.

Devo admitir que fiquei mesmo muito decepcionada quando ela recuou na posição sobre o aborto, deixando a imprensa e a oposição pautarem o começo da campanha do segundo turno. Mas não dá pra dizer que não seja feminista uma mulher que considera que pode, sim, ser presidente. E que, em seu primeiro pronunciamento após o resultado, encorajou as mães a dizerem a suas filhas que elas também podem. Feminismo é defender a igualdade de fato e de direito.

(Aliás, vocês sabiam que uma das primeiras providências do presidente Lula, em seu primeiro dia de mandato, foi expedir a Medida Provisória 103, que criou a Secretaria de Políticas para as Mulheres? E que ele defende que ela seja transformada em ministério, para que não possa ser facilmente extinta no futuro?)

Mais do que com a esquerda, a presidenta eleita tem um compromisso com a democracia. É o que ela mesma disse em seu pronunciamento, e na histórica resposta ao senador Agripino Maia: alguém que lutou contra o regime que limitava a liberdade e a verdade não pode jamais desprezar a democracia que conquistou. E nem os vídeos apocalípticos e posts vociferantes de seus opositores podem convencer que essa mulher vá voltar atrás no compromisso que assumiu com a liberdade de expressão.

Ela é mandona. Grosseira, dizem alguns. Agressiva, dizem outros. Incisiva. Contam que fez o presidente da Petrobras chorar. Que não tolera incompetência. E não é nada menos do que isso que eu espero de uma presidenta, que vai precisar enfrentar todo tipo de preconceito e sexismo.

No Twitter, já houve quem perguntasse o que ela vai fazer quando tiver TPM. É de se lembrar, obviamente, que pela idade que tem, ela já deve ter passado a menopausa – o que significa que não tem mais TPM. Mas, se tivesse, faria o que todas as mulheres fazem: conviveria com isso, tomaria um remedinho, e não deixaria que isso afetasse as decisões importantes que precisa tomar. Não somos robozinhos comandados por hormônios – eles nos influenciam, mas somos perfeitamente capazes de agir racionalmente mesmo no auge da oscilação hormonal.

Eliane Brum, da Revista Época, escreveu sobre ela em sua coluna de segunda-feira, questionando a importância, por si só, do fato da chegada de uma mulher à presidência, uma vez que, para tal, foi necessário recorrer a todos os estereótipos de gênero e “feminilizar” a candidata.

Meu pensamento sobre isso é muito simples: a importância da chegada de uma mulher à presidência não se mede, necessariamente, pelo comprometimento dessa mulher com as bandeiras feministas, ou com a quebra dos estereótipos de gênero. A eleição de uma mulher não significa que passará a haver uma alternância, não significa nem mesmo que haverá avanços no campo da igualdade.

A questão aqui é simbólica: se ela chegou, quer dizer que todas podemos. No domingo, logo depois de votar, estava conversando com o porteiro e a faxineira do prédio da minha mãe, em BH. Ambos votaram nela. E a faxineira disse: “ela vai ganhar, e vai mostrar que uma mulher pode fazer tudo o que um homem faz, e não tem que ganhar menos.”

Não sei se ela vai fazer um bom governo – espero que sim. Pretendo estar de olho. Pretendo não me furtar a criticar o que for preciso criticar. Mas uma mulher é presidenta, e é preciso que as mães digam às suas filhas que elas podem.

Parabéns, e obrigada, presidenta Dilma.

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Democracia

Em época de eleição, a gente acaba ouvindo uns comentários curiosos. Boa parte deles, referindo-se ao voto dos pobres, ou à eleição de figuras polêmicas, como Tiririca ou Weslian Roriz, atacando a democracia. “Isso é democracia, minha gente” ou “Democracia demais dá nisso”, num tom de sarcasmo e desdém.

E é aí que eu digo, sem sarcasmo algum: isso é democracia, minha gente.

A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras que já foram testadas, como dizia Churchil, o que faz dela a escolha de boa parte do mundo. Aliás, escolha é bem o que diferencia a democracia dos demais sistemas (ou regimes) políticos.

Não é à toa que tanta gente fique indignada com a democracia, porque ela nos obriga a contemplar o que preferimos fingir não saber: o mundo está cheio de gente diferente de nós. Algumas dessas pessoas estão fisicamente perto, mas têm posições diametralmente opostas.

E essa tem sido, no meu ver, a grande riqueza do processo eleitoral: descobrir quanta gente eu adoro, e pensa tão diferente de mim. Pelo Twitter, pelo Facebook, pelos blogs, me pego debatendo apaixonadamente com pessoas em relação a quem, não fosse por isso, eu não teria divergências sérias. E descubro como aumenta meu respeito por elas, na medida em que divergimos e continuamos capazes de nos entender em todo o resto.

O outro é o outro, complexo e distinto de mim. Essas pessoas são meus amigos, meus colegas de trabalho, de faculdade, de colégio, adestram cachorros, praticam corrida. Tenho algo em comum com cada uma delas. Mas a democracia me permite enxergar que, apesar desse algo em comum, estão ali outros. Fascinantes, assustadores, interessantes, únicos. Cujo voto vale tanto quanto o meu, cujas opiniões valem tanto quanto a minha, e que podem expressá-la livremente.

Esses outros votam no Tiririca, votam na Weslian, votam no Serra, votam no bispo Crivella, votam em quem quiserem, pelos motivos que os interessarem. E isso é uma expressão de quem são. Democracia é a chance de cada um ser e querer aquilo que lhe parece melhor.

Que me perdoem os totalitários, mas isso compensa, para mim, toda a eventual bagunça que ela possa causar.

 

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Nunca antes na história

Ainda não falei de política neste blog, embora já venha fazendo isso no Twitter há algum tempo (como bem sabem os amigos que me seguem e já não aguentam mais, loucos pra que a eleição chegue logo). Mas hoje não vou resistir.

Eu trabalho na Petrobras. Meu pai trabalha na Petrobras há mais de 30 anos. Cresci fazendo colônia de férias na refinaria. Visitei por várias vezes, ainda criança, o prédio onde hoje trabalho, no Rio de Janeiro. Minha relação com a empresa e com o que ela representa vem de berço, quase literalmente.

Então, não é de forma isenta que digo que ontem foi um dia histórico. O dia em que realizamos a maior capitalização da história mundial, com captação de R$120 bilhões em mercado. O dia em que a bandeira do Brasil e o banner da Petrobras tremularam na frente da Bolsa de NY. A Bovespa passou a ser, com isso, a segunda maior do mundo.

E, no entanto, os jornais não deram o menor destaque a isso. Não foi capa da Veja, do Estadão, d’O Globo, da Folha de São Paulo. As únicas notícias sobre o tema, na UOL, falavam da queda das ações da Petrobras na Bovespa – curiosamente, o preço apontado como “queda” era exatamente o preço das ações oferecidas na capitalização.

Eu entendo que a grande mídia brasileira não goste do Lula e seu governo que, com todos os problemas, tem um cunho eminentemente social, voltado para a promoção das classes baixas, e pouco permeável aos interesses do capital. Entendo que as oligarquias – os Frias, os Civita, os Marinho – queiram preservar seus privilégios, e por isso se alinhem a um projeto mais condizente com esses objetivos.

Entendo isso tudo. Mas não consigo entender que esses veículos considerem que um evento como o ocorrido ontem seja uma questão de governo, e não, uma questão de Estado. Lula pode até ter buscado, em seu discurso, assumir o mérito por ter mantido a Petrobras como estatal, mas a Petrobras não foi privatizada, no goveno FHC, porque realmente não havia clima político para isso. Porque ela ainda é um grande símbolo nacional, uma empresa que os brasileiros, em pesquisas de opinião, disseram associar com a própria imagem do país.

Que essa empresa seja também lucrativa e respeitável, consistentemente bem colocada nos rankings de sustentabilidade, várias vezes apontada como empresa dos sonhos dos jovens, e, depois da capitalização, a 4ª maior empresa de petróleo do mundo, só a torna ainda mais motivo de orgulho.

E, no entanto, nada é dito. Da Petrobras só se fala do duto rompido – por uma escavadeira da prefeitura, não autorizada a realizar obras na região protegida. Ou de algum vazamento de óleo. Ou da perda de valor das ações.

Mas que fique registrado: não é pela falta de divulgação que a capitalização ocorrida ontem passa a ter menos significado. Foi um evento daqueles de encher o peito de orgulho, e aumentar ainda mais o otimismo com os rumos desse país.